terça-feira, 1 de junho de 2010





"Um homem jovem, já com alguns cabelos brancos, caminha pelas ruas de
uma Barcelona presa sob céus de cinza e um sol de vapor que se derrama
pela Rambla de Santa Mônica como uma grinalda de cobre líquido.
Leva pela mão um menino de dez anos com o olhar embriagado de mistério
diante da promessa que seu pai lhe fez de madrugada,
a promessa do Cemitério de Livros Esquecidos."


Quando eu perguntei pra uma amiga se ela não tinha nenhum livro bom pra me emprestar, não foi por falta de livros pra ler... (Quem me conhece sabe a quantidade que se empilha tanto na gaveta do criado mudo quanto na lista de livros a procurar.). Nem foi por uma vontade especial de ler um livro específico, já que eu pedi qualquer título que ela tivesse às mãos. Talvez tenha sido por puro tédio momentâneo, ou por falta de assunto, não sei....
Talvez tenha sido uma força que nos atraiu, a mim e ao livro, mas aí já é divagar demais...

Só sei que, na manhã seguinte, estávamos nós nos conhecendo. Monnique, A sombra do Vento, A Sombra do Vento, Monnique.
Aqui, eu poderia dizer várias coisas que tornariam esse relato bem mais fantasmagórico e surreal, mas nenhuma dessas coisas seria verdade. Eu não senti um leve tremor nas mãos quando o toquei, não fiquei atraída pela capa quando o vi, nem fiquei especialmente ansiosa para lê-lo de uma vez.
O que senti, na verdade, foi um misto de arrependimento e cansaço. "Cara, pra que raios eu pedi emprestado um livro desse tamanho quando tenho tanta coisa pra fazer??"
De qualquer maneira, naquela noite, resolvi abrir o livro, pra "acabar com isso de uma vez por todas". Uma primeira leitura me rendeu cerca de 120 páginas, até eu ser expulsa do quarto pela minha irmã, que queria apagar a luz. Realocada no sofá da sala, ainda li umas 50 páginas até ser vencida pelo sono. Não sem antes perceber que já estava irremediavelmente conquistada.

Que me perdoe o professor do dia seguinte, mas eu não ouvi NADA do que ele falou. Fazia anos que eu não lia algo com tanta vontade, com tanta facilidade, com tanta alienação a tudo ao meu redor. Me reportei aos 12 anos de novo, quando meus pais ameaçavam trancar meu livro se eu não me dignasse a almoçar. Na manhã do dia seguinte, a última página do livro se deixou virar pelos meus dedos, deixando-me com a sensação de fim, de continuidade, de vazio, de alívio, de VIDA que os livros sempre me deixam.

Desculpe se perdi muito tempo falando de mim mesma e da minha relação com ele, mas esse livro é assim. Ele é pessoal, é o elo entre a vida de pessoas que foram marcadas por possuí-lo, por conhecê-lo.

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Carlos Ruiz é o autor, com a palavra solta e gostosa dos espanhóis e o toque romântico, porém sombrio, da boa literatura de ficção. Através de um emaranhado de vidas, de tempos passados e presentes, ele nos leva a acompanhar Daniel Sempere em sua jornada.

Filho de dono de livraria, e morando sozinho com o pai desde que a mãe morreu, quando tinha 4 anos, Daniel sempre teve os livros como seus melhores amigos. Quando, numa madrugada fria, ele acorda assustado porque não se lembra mais do rosto da mãe, seu pai promete uma visita a um lugar muito especial.

O Cemitério de Livros é a resposta daquela pergunta secreta que acomete a maioria dos leitores que são tragados pelas palavras desde criança: pra onde vão os livros que ninguém mais lê? Ruiz responde: pra esse labirinto bem guardado, só acessado pelos poucos que respeitam seu valor. Uma mistura de biblioteca de Alexandria com Labirinto do Minotauro, onde o livro te escolhe, e não o contrário. (A imagem da biblioteca, aliás, me lembrou muito a do filme O Nome da Rosa)

E, nesse lugar fantástico, Daniel encontra A Sombra do vento, livro de Julián Carax, que o seduz e transforma sua maneira de se relacionar com os livros.

A partir daí, Daniel sai à procura de outros livro de Carax, e acaba descobrindo que sua obra vem sendo dizimada por uma figura misteriosa que percorre a Europa atrás dos livros para, então, queimá-los.

E Daniel, na tentativa de saber o paradeiro de Carax, tem sua vida cruzada com a vida de pessoas que, de um modo ou de outro, trazem pedacinhos do quebra-cabeça que ele tenta montar. E, na busca por encontrar Julián Carax, Daniel acaba descobrindo muitas verdades sobre a Barcelona que o cerca e, acima de tudo, muitas verdade sobre si mesmo.

Sobre o livro:

Título: A Sombra do Vento


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