segunda-feira, 9 de outubro de 2017

De Descrever o Olhar

O vento ondula o azul.
No topo de onde meu olhar alcança, a cor tremula em uma dança suave, de movimentos por vezes calmos outras erráticos. O ar ao redor canta. Sua voz se espreme entre as frestas que encontra e faz dueto com um outro som, mais grave, ritmado, constante.
O segundo som vem mais de perto, parece que sussurra só pra mim, no meu ouvido, um murmurar rouco de profundezas distantes. Baixo o olhar.
Mais perto, vejo mais que o azul. São dunas de cor de baunilha, quase capazes de refletir o sol filtrado pelo azul. Suas curvas são suaves e a textura delicada, como dobras de um tecido esculpidas em mármore. Tenho vontade de correr os dedos pelas curvas, mas me refreio quando o murmúrio aumenta de intensidade.
Devo ficar imóvel. Faço de tudo para não perturbar a paisagem.
As dunas se movem elegantemente, alheias à minha presença. Mal sabem que as observo. O som se esvai.
Sinto um novo tremor, dessa vez um rugido que parece vir de dentro de mim. E vem. Suspiro.
É preciso deixar esse lugar. Resigno-me.

A manhã termina e a fome me faz levantar da cama, um último olhar para o marido que ainda dorme, fecho as cortinas improvisadas com o lençol azul para que o sol não o perturbe. Uma nova paisagem se desdobra: levanto para fazer o café.

sábado, 28 de novembro de 2015

De um infante assustado com o Mestrado



"De tempos em tempos, o indivíduo fica bloqueado numa situação em que uma espécie de hiato cognitivo impede o movimento: o sentido interior do indivíduo esgotou-se e agora ele precisa de criar novo sentido. Então, essa pessoa procura e escolhe estratégias que façam a ponto sobre o hiato cognitivo, que procurem respostas a perguntas. Finalmente, os indivíduos usam as pontes cognitivas que construíram para continuarem suas jornadas " 
Dervin, 1992 apud Choo, Gestão da Informação para a Organização Inteligente, 2003


         Encontrei essa frase num texto que estaa lendo para o mestrado, e não pude evitar suspender o estudo por um momento e vir aqui explicar como eu passei as últimas semanas me sentindo exatamente esse indivíduo em hiato cognitivo.

         O segundo semestre do mestrado veio cheio de uma liberdade diferente (apenas um dia de aulas na semana) e também uma responsabilidade que assusta (a famosa "Autonomia do Estudande de Pós-Graduação"). De início, pareceu maravilhoso poder escolher onde passar meus dias, visitar parentes e binge watch todas as minhas séries pendentes. Mas, conforme o tempo foi passando, comecei a perceber que as únicas atividades realmente relevantes que eu estava fazendo no mestrado eram os resumos e fichamentos pedidos pelos professores - muitas vezes, na véspera da aula.
         Crianças, não façam isso em casa!


         Quanto mais tempo em passava me "divertindo" com outras coisas, ou procrastinando descaradamente, mais eu me sentia preocupada com a pesquisa acumulada sempre dando alertas e surgindo em pensamentos aleatórios. Mas eu não tinha a menor vontade de começar a escrever.
         Foi aí que eu li um artigo sobre a grande ocorrencia de Mental breakdowns em estudantes de mestrado e doutourado, e uma tal de Sindorme da Farsa, em que a o estudante tem a sensação de não estar se dedicando tanto ou ser tão inteligente quanto seus pares. E era um pouco parecido com o que eu estava sentindo.
        No dia seguinte, acabei conversando com uns colegas doutourandos e eles me disseram que também sentiram o mesmo no mestrado, e mesmo no doutourado. Que o mestrado é um baque de mudança de visões e percepções e de estudo, e que isso desconforta, desconstrói, assusta mesmo, é normal. Gostaria que tivessem me contado antes.
        A experiência do estrado tem sido um pouco estranha pra mi, no sentido de ter que entender como a minha mente - e corpo- se adaptam ao estudo, a uma casa nova, com gente nova (divido apartamento com mais 3 garotas) e um estado novo  velho.
         Nessa conversa, acabei encontrando uma metáfora que define como eu estava me sentindo.

       Senta, que lá vem metáfora!



          Recentemente, nasceu minha afilhada. Ela tem 2 meses e nas primeiras semanas, ela acordava assustada com certa frequencia. Com o tempo, percebemos que ela tinha o costume de esticar os braços e pernas durante o sono e, por ser muito pequenina para o berço, acabava não encontrando barreira nenhuma (como na barriga), e a total liberdade espacial a assustava.
        O mestrado me fez sentir como essa bebê. As fronteiras do pensamento dos meus professores como guia - e ate mesmo- doutrinador dos meus pensamentos se foi. Meu estudo não tem mais hora certa de aulas ou intervalos de classe, os prazos são mais soltos e cabe a mim elaborá-los na maior parte do tempo. E essa liberdade repentina me assusta, me tira o chão, me faz acordar assustada, sentindo falta do conforto do útero da universidade.

      Mas acho que agora, como sei como me sinto, posso começar a construir as pontes que vão me levar a preencher esse hiato cognitivo e me permitir voltar à minha pesquisa com tranquilidade. Meus bracinhos pequenos estão se acostumando com meu berço grande.


domingo, 25 de maio de 2014

De voltar a escrever

Faz tanto tempo que eu não poeto
que as palavras Ferrugem rubras
me olham de lado
Barbas longas, braços cruzados, olhares sentidos
E vem de pirraça, arrastadas, pesadas
a dar-me a mão mole
má vontade explícita
A desempoar as roupas
e prostrarem-se insatisfeitas
na pintura-retrato-poema
que eu largo da ponta do lápis
no alvo do papel.
Voltei.

Monnique São Paio
2011

Dos olhos abertos de um menino



Ele abriu os olhos. Respirou fundo.
O lugar era desconhecido, mas a sensação era familiar.
Sabia onde estava,com quem estava, o que deveria fazer e como fazê-lo.
Eles queriam caminhar na trilha.
Entre eles e a relização de seu desejo, uma grade. A grade de metal, embora alta e com uma cerca elétrica no topo, não era tão ameaçadora assim, então eles escalaram e pularam sobre ela.
Sem nem ao menos notar o quão fácil havia sido ultrapassar o obstáculo, ele percebeu que as coisas não continuariam tão simples quando viu que havia deixado a mochila do outro lado.
Suspirando e aceitando a situação, não havia nada a fazer além de escalar de volta e recuperar o objeto. É claro que desta vez, a cada tentativa, ele foi surpreendido pelo contato da cerca elétrica. E, mesmo que os choques não fossem o suficiente para impedi-lo de tentar mais uma vez, e outra, e outra, eventualmente foi preciso jogar a toalha.
Foi aí que ele fechou os olhos.


Ele abriu os olhos. Respirou fundo.
A clareira era bonita, a trilha tinha valido a pena.
Esperar pelos outros, no entanto, era um pouco menos divertido, então ele resolveu voltar e ver o que os estava atrasando.


Retornando pelo caminho, ele ouviu as vozes antes de ver o movimento, e viu o movimento cessar antes de poder definir as silhuetas.
E então, com o afastar de um galho mais baixo, ele viu a cena por inteiro.
Os olhares chocados, a cena estática. Tudo tão previsível.
Se aproximou e olhou para baixo, seu corpo inerte no chão.
Respirou fundo.
E fechou os olhos.

Ele ainda estava na clareira, e mesmo após imaginar o pior cenário possível para o atraso dos amigos, a visão da realidade conseguiu ser ainda pior.

Retornando pelo caminho, ele viu primeiro a fumaça, depois os troncos incandescentes.
Eram troncos enormes de árvores em chamas, quase como se ainda estivessem plantados.
Gritando para as pessoas ao redor para tentar descobrir o motivo, recebeu a resposta de que
os garis tinham pedido que se fizesse uma fogueira para queimar o lixo. A fúria foi crescendo
como as chamas à sua frente, até tingirem de vermelho seu rosto e seus olhos.
Ele só percebeu que estava correndo quando diminuiu a velocidade para pegar a primeira coisa que encontrou pela frente: uma pá. De pá na mão, e sem camisa (que ele também não reparou quando tirou), pôs-se a correr ainda mais desesperamente na direção dos responsáveis.
Quanto maior a velocidade, maior a distância , maior a angústia pesando em seu peito.
O sentimento era de urgência. Ele tinha que chegar lá.
Junto com o som do vento em seus ouvidos, veio um outro som, gutural, quase monstruoso. Um grito de dor. Ele ainda estava correndo quando percebeu que o grito saía de sua própria boca. Só então fechou os olhos.

Ele abriu os olhos. Respirou fundo. 
E reconheceu onde estava. Sua cama, seu quarto.

terça-feira, 6 de maio de 2014

De uma viagem diferente...

Normalmente, eu sou a louca da viagem.

Aquela que acha que dormir é para os fracos, que todas as vistas devem ser vistas - e devidamente registradas, seja em fotografias, filmagens ou mesmo na memória; que todos os passeios devem ser feitos, e todos os lugares visitados - especialmente as igrejas e os museus e os parques; que toda comida deve ser experimentada, ao menos uma vez.
Eu penso que cada viagem é única e que pode ser a última, e que eu posso nunca mais ter a chance de visitar aquele lugar de novo, e ai de você se ficar no meu caminho, se preferir deitar ao sol ao invés de caminhar ponta a ponta da praia atrás daquela gruta espetacular.
Eu estou aprendendo a apreciar os momentos inertes, mas ainda não. Eu ainda preciso estar em movimento, preciso usar minhas pernas fortes, minha mente sã, meu vigor. Quando eu estiver velha, daí eu sento, descanso, resolvo acordar bem tarde no meio de uma viagem.
Isso me deu momentos incríveis. Eu andei de barco sozinha até a estátua da Liberdade,mesmo sem poder subir por ela; percorri Paris em seus pontos turíticos - sem tempo para entrar em nenhum deles; comi queijos e mais queijos e carne de coelho; visitei 4, 5 lugares num mesmo dia, com tenis amortecedores pra aguentar o passo apressado, fiz coisas que nunca imaginei q faria, como nadar com tubarões e andar em cada um dos brinquedos do Walt Disney World - mesmo os mais chatinhos pra crianças pequenas.
Nessas idas e vindas, eu me diverti. Muito. Não me entenda mal. Mas às vezes tenho a sensação que a corrida por fotos e por ver tudo que meu olhos possam alcançar tenha me tirado a chance de observar os detalhes. Eu vi o jardim, mas perdi o ruflar de asas da borboleta.
Essa ultima viagem foi diferente. O objetivo da viagem era ir a duas reuniões, e eu me planejei pra ficar na cidade por dois dias a mais que o necessario - um antes e um depois. Fiquei hospedada na casa de uma amiga, que mora com os pais e uma irmã gêmea. Ambas as irmãs são extremamente atenciosas e preocupadas com a segurança.
Por varios fatores, por conta da chuva, dos compromissos e da propria segurança, passamos a maior parte do tempo em casa. Mesmo q eu me sentisse, num primeiro momento, desperdiçando meu tempo, que poderia ser gasto em desvendar a cidade, acabei respirando mais fundo e olhando outras coisas.
Eu vi os detalhes da casa, e como ela tem cheiro de lar, com suas fotos e suas porcelanas. Eu vi a rotina de uma familia que poe e tira a mesa simultaneamente de forma tão natural que seus movimentos parecem ensaiados, quase passos de dança. Vi duas irmãs que fazem favores a todo momento uma pra outra, mesmo que acabem discutindo quando é pra jogar cartas.
Ao invés de fotografar a vista, eu fotografei o gatinho de olhos verdes e arco-iris que despontou por trás da mangueira do vizinho. Ao invés de observar as trilhas dos parques, eu observei as curvas do corpo do gato ao espreguiçar dos bigodes até a ponta do rabo.
Eu vi como bocas se mexem, como dedos se fecham, como a chuva cai, como o sol desponta primeiro pelo refleto dos poucos predios altos que estão sendo construídos no bairro.
E assim, entre pessoas e lugares e bichinhos, eu fiz uma viagem que não teve visita guiada nem vistas panoramicas, mas nem por isso deixou de ter um vislumbre sobre a vida de outros nem uma vista que valha a pena ser vista.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

De uma garotinha

Once upon a time That was a girl.
A girl with the world inside of her, and a desire for the stars.
When she discovered songs, she wanted to listen to them all, when she discover words, she wanted to know them all, when she discovered stories, she wanted to read them all.
The girl would cherish every book she touched, but always keep an eye on the next one, the hunger for the lifes of  imaginary people never ending
She wished to be them, to be their friend, to change their stories, to have what they had.
It`s funny how she read her books.
She`d always take a sneak peak on the last page, just for the feeling to read words that made no sense at the moment, but in a while, would.
It was magical!
The same words, meaning nothing in a moment, and the moment changed, she read the story, and those same words now made all the sense in the world.
The girl grew up.
She still liked her book and her stories.
She still wanted to know the meaning of every word.
But she stil didn`t.
And she still wish to have what the stories had.
They had the certainty. Every single bad guy would be defeated, every problem would be fixed, she could count how many pages to the happy ending.
She wanted her life to be like that. A sneak peack and you can tell the end of it, even if it doesn`t make sense, she wished to count the days left to her happy ending, she wanted somebody to tell her every problem would be fixed.
But nobody will.
And she can`t have any of that.
Because if her life is a book, she is not the one reading it.

Monnique São Paio (26/04/2014)

terça-feira, 4 de março de 2014

De Crafts e Reciclagem

Então, faz algum tempo que eu estou querendo terminar esse projeto, mas hoje deu certo.

Eu aprendi na faculdade a fazer cadernos costurados à mão. É um projeto relativamente barato, mas meu pai chamou a minha atenção para o fato de que poderia ser completamente feito com material reutilizado.

Eles, inicialmente, tinham a mesma aparencia dos cadernos normais (utilizei a sacola de compras de uma loja de maquiagem para fazer o de corações)


Mas eu ainda estava usando o papel suporte e as folhas compradas em papelaria.

Então eu troquei o principal, o papel que sustenta a capa, por caixas de leite e suco, utilizei folhas de rascunho (que já tinham sido impressas, mas apenas de um lado) e uma fita que tinha sobrado em casa.



Bom, é isso. Crafty all the way.

DFTBA!